segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Pausa para reflexão...


Tempos Quase Modernos (qual O Assunto Que Mais Lhe Interessa?)
Composição: Roberto Mendes
Interpretação: Elba Ramalho e Gabriel, O pensador

Qual o assunto que mais lhe interessa?
Qual o assunto que mais lhe interessa?
Além da vida in vitro feita nas coxas
E vivida às pressas

A empresa da guerra
A mais-valia da morte
A última sentença
A violência nas ruas
O bio terrorismo

A soja transgênica
Clonagem da mente
Dos órgãos vitais
A nova ciência
Moral decadente
Tradição milenar
Outra tendência

Suicídio, livre arbítrio
Aborto consentido, eutanásia
A dívida congênita
O quinto partido, o tempo
Das máquinas

Monarquia playback
A república inventa
O eclipse lunar,
a decadência moral

A calota polar, o império dos egos
O vidente cego, o cachimbo de Édipo
A paixão de Romeu, colapso dos mares
Crianças sem lares, a ausência de Deus

A assembléia dos loucos,
O juízo dos lobos
A vontade dos céus
A escala econômica em que o crime compensa

Qual o assunto que mais você pensa?

Sexo, amor, culpa ou inocência
A dieta do Papa, o segredo de Fátima
A última penitência

Bom dia Vietnã, boa noite Bagdá
Adeus Sherazade

Qual o assunto que mais lhe interessa?
Qual a verdade em que mais você pensa?

O fim da natureza
E o final da história
Glória, glória, glória?

Apenas uma canção invento agora
Um poema
A madrugada é silêncio, a dor acalenta

Esquece o início de tudo e o fim dos tempos
Deita no colo de tua amada
Onde da misteriosa expansão do nada
O universo se alimenta

Qual o assunto em que mais você pensa?
Qual é a verdade em que mais você sente?
Qual a mentira em que mais acredita?
Qual é o nome que você mais grita?
Qual é a força que mais te enfraquece?
Qual é a fome que mais te alimenta?
Qual é o prato que mais te apetece?
Qual é o mapa que mais te orienta?
Qual é o jogo que mais você ganha?
Qual é o ganho que mais te enriquece?
Qual é a perda que mais você chora?
Qual é a casa em que mais você mora?
Qual é a frase que mais você fala?
Qual é a fala que mais você cala?
Qual é o assunto que mais você teme?
Qual é o tema que mais ignora?

Qual o assunto que mais lhe interessa?

http://www.vagalume.com.br/elba-ramalho/tempos-quase-modernos-qual-o-assunto-que-mais-lhe-interessa.html#ixzz1Z6QecTU2

Bem pessoal, para quem está aqui de passagem esse texto trata de relatar (ou colocar parcialmente) aspectos da pesquisa realizada para finalização da matéria composição coreográfica 2 do curso Bacharelado em Dança da Faculdade de Artes do Paraná. Meu trabalho é prático e teórico, e coloca questões sobre a crise da identidade na pós-modernidade.
Coloquei essa música na introdução do texto porque eu a conheci nesse bimestre, e ela me fez muito sentido levando em conta tudo o que eu tenho vivido e estudado. Cheguei a ela de um jeito muito bonito, através de uma dança que fui fazer casualmente no show do homem que a compôs. Foi uma experiência estonteante, o show e principamente estar do lado de um homem, não tão velho, mas muito sábio, com um coração muito antigo, através dele senti um alento, pois neste bimestre estudei muitas coisas, li muito, vi filmes, ouvi músicas e chorei outro tanto (proporcional ao tanto de informação ao qual me submeti). Porque há coisas impossíveis de se aprender sem chorar...
Mas continuando, através das informações com as quais tomei contato cheguei a questão do que se pergunta. Pois é impossível tratar de identidade sem se fazer perguntas... porém, a questão que fica é: O que eu pergunto? Do que eu duvido? Com o que concordo? Do que eu discordo? O que chama minha atenção? O que me gera curiosidade?... Enfim, parafraseando: Qual assunto que mais me interessa?
São perguntas grandes feitas para serem vividas e tocarem nosso raciocínio/coração em profundidade...
Pois muitas das coisas que li me fizeram tentar entender qual foi(ram) a(s) dúvida(s) que moveu(ram) àquele ser humano a destrinchar o determinado assunto... A questão da dúvida me veio, não como uma forma vazia de racionalizar o mundo, mas como uma sensação de responsabilidade sobre o ato de estudar, de criar arte, de viver... a dúvida, o grande motor de tudo...
E aqui começo a lançar, e você caro leitor? que respostas daria às perguntas existentes nesse texto? O que te interessa no mundo? O que o faz empregar minutos da sua vida lendo minhas palavras? De onde vêm suas perguntas? Elas são realmente suas? Ou foram criadas por lentes que tomaram os seus olhos no sono móvel do cotidiano em ritmo de aço? O quanto você escolhe seus temas de vida? E o quanto você questiona as idéias que te tomam a mente? Como você às seleciona? Você às seleciona?
Seguindo a reflexão, segundo o material que tenho estudado, duvidar da ordem estabelecida, desnaturalizar o que está posto é uma forma muito eficiente de se obter transformações... No entanto, nosso mecanismo social, age no sentido contrário, na intenção de obliterar nossa visão, buscando neutralizar ou reduzir em grande escala nossa capacidade de questionar. E não é exagero, segundo A. Moles, as técnicas utilizadas nas grandes redes de distribuição da informação corrente em nosso mundo, seguem algumas regras básicas:

1- Situar sempre o nível do que é dito em uma taxa de inteligibilidade correspondente a um quociente intelectual de, aproximadamente, 10 pontos abaixo do quociente médio do nível social que se quer atingir.
2- Não solicitar do ouvinte nenhum esforço de memória ou tenacidade.
3- Dispor a produção de tal modo que não importa quem possa, nem quando possa, se conectar com ela numa fração inferior à da memória instântanea (6 a 8 segundos).

Gostaria de chamar sua atenção ao fato de que, o texto citado, foi escrito em 1967, e que essas técnicas de disseminação e controle da informação foram aplicadas e aprimoradas até os nossos dias, podemos concluir entre outras coisas que nossa lógica de raciocínio, à algum tempo, vem sendo moldada por esse tipo de organização, e então fica a pergunta: como se forma o sujeito que está em exposição constante à essa organização empobrecida de comunicação? A que serve essa comunicação, por conta de que necessidades ela existe?
Moles também nos coloca que essa forma de organização da informação se dá em vários níveis, e a cada classe social ela é destina sob uma forma que se afine mais com os sujeitos que se quer atingir, então teremos vários “tipos” de massas, cada uma recebendo o nível de informação que interessa para a manutenção da “roda-viva” do consumo na nossa sociedade.
Deixo então essas perguntas ecoando e o início de uma reflexão muito profunda, para quem quer investigar o assunto, os textos que me fizeram escrever isso são:
- Doutrinas sobre a cultura de massa. Abraham A. Moles.
- A indústria cultural: O iluminismo como mistificação de massa. Max Horkheimer e Theodor W. Adorno.
Presentes no livro Teoria da Cultura de Massa, da editora Paz e Terra, com textos selecionados por Luiz Costa Lima, em 1990 (tem na biblioteca da FAP).
Para quem quiser escutar a música: http://www.youtube.com/watch?v=4wKGDpv472o


Rose Mara Silva
Graduanda 4ºano Bacharelado em Dança

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Vem vamos embora...

Já está claro, coloquei meus pés no mundo e para me apoiar nessa aventura escolhi a teoria materialista histórica dialética, utilizada como uma espécie de óculos que me ajuda a enxergar e compreender toda a loucura da lógica capitalista. Mas é por que quis justamente esses óculos, sendo que existem tantos outros para se usar?

Essa teoria acredita que os homens são os criadores de sua história e que ao construí-la, através do trabalho, constroem-se também, num processo contínuo de transformação, isto é, quando o homem sente necessidade de criar algo ele transforma a natureza e ao transforma-la, transforma-se também adquirindo conhecimento e habilidades sobre a realidade.

A lógica desse sistema, capitalista, nos coloca que desde que o mundo é mundo as coisas acontecem do mesmo jeito e que o homem é mesquinho e egoísta. Estudando para conhecer a mim e a realidade, consigo perceber que diante dessa afirmativa têm-se duas opções, uma de concordar e a outra de discordar com a mesma afirmativa.

Ao som de Geraldo Vandré com a música “Pra não dizer que não falei das flores”, me dei conta da força dos homens, sabemos que tudo, sempre pode ser diferente, basta ter consciência do que queremos e ir adiante.

http://www.youtube.com/watch?v=1KskJDDW93k

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Um Percurso de Gato


UM GATO EM PERCURSO - Caroline Natalie Stroparo
 
Gato. Antropologicamente desgarrado de líder, senhor de si. Busca a solidão e a companhia na medida em que precisa delas. Não importa quem o alimente, em convivência com os homens, ele escolherá alguém para si na medida em que se identifica com este, e sua personalidade se expressará demostrando sua maleabilidade em assemelha-se em temperamento com a pessoa escolhida, com quem busca aprender e socializar-se. doações, ele negocia, ele troca.
Minha gata é uma grande negociante: se ela quer afeto, dá afeto e espera retorno; se quer atenção, observa-me até que eu a olhe; se eu a alimento, ela agradece, e se ela pudesse caçar, com certeza faria o que muitos gatos têm hábito de fazer, deixar uma preza morta na porta de casa como contribuição para a alimentação da família.
Minha gata, quando se aborrece, se ausenta para não brigar, mas se não concorda, ela se enerva e reclama de diferentes formas, parece prezar por entendimento, da mesma forma, parece admitir às vezes que traíra a política da casa.
Uma coisa é certa o gato escuta sempre, mesmo dormindo, e muito bem, mas às vezes prefere responder mais tarde. O fato é que gato é sábio, sabe viver muito bem e não ser prisioneiro de valores ou responsabilidades morais. Tem gato que gosta de pregar susto, tem gato que gosta de chupar lã, tem gato que dorme de barriga para cima, tem gato que nunca dorme assim. Tem gato de todo jeito nesse mundo.
O gato é engraçado, ele se reconcilia quando preza pelo afeto, mesmo quando não se convence das razões que você argumenta em afirmativa dele estar errado. Sim, o gato sabe conviver, mas tem de fato sua própria moral, sua própria opinião. É engraçado pensar, mas os gatos parecem ser naturalmente muito politizado.

Depois de algum tempo observando, pesquisando e buscando “experimentar o gato” no meu corpo, desenvolvendo um trabalho de abstração e linguagem, comecei a focar por um tempo a minha pesquisa para a questão do movimento em si. Utilizando o Sistema Laban/Bartenieff, fui organizando e construindo toda uma análise a cerca dos fatores do movimento e como ele se mostravam em meu trabalho de investigação do movimento. Comecei a analisar minhas sensações musculares, a desenvolver conexões para organizar esse padrão de corpo e movimento. No entanto, o meu trabalho passa por uma fase derradeira de escolhas. Não quero falar sobre organização de corpo, não quero me voltar para explicar como faço para executar esse ou aquele movimento, não, isto não me importa publicar. Importa-me sim, o ideal estético desta obra. Importa-me compreender melhor sobre o que me leva a esta idealização e como posso malear isto em minha prática, em como me aproprio dela. Por isso, inicio agora uma corrida apaixonada pela Estética e Filosofia. Minha introdução neste universo se faz no momento pelas palavras de Henri-Pierre Jeudy, sociólogo da LAIOS, professor de estética, e autor de vários livros. Rapidamente estou mergulhando em seu livro O corpo como objeto de arte, e vou construindo relações e constatações sobre o tema.
Assim, embarco numa busca quase religiosa em compreender e fortificar o um ideal estético em palavras, tentando decifrar o paradoxo de que “o corpo é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto das representações”, e de como “o corpo poderia existir fora das representações que dele fazemos”.

Corpo, dúvidas, mudanças.

Que corpo é esse que dança agora? Que dança é essa que meu corpo produz? Um corpo provido de muitas técnicas, muitas vivências e muita informação, porém sem uma real identidade. Uma busca por algo novo, diferente de tudo que já foi vivenciado, algo verdadeiro, que faça sentido para esse corpo. Mas o que fazer para reconfigurar um corpo, reconstruir uma dinâmica, intensificar o que já se faz?
Minha pesquisa e meus questionamentos partem de uma reflexão, onde desejo redescobrir formas de me mover, sem negar o que já está no corpo, apenas fazer escolhas, descobrir caminhos e formas diferentes, chegando a um lugar onde a expressão e a intensão do movimento é o que importa.
No texto de Gabriela Perez, "Os padrões de movimento do treinamento do ator", diz que nós, humanos, nascemos com características únicas e irrepetíveis de personalidade, constituição física e etc, e conforme vamos crescendo e adquirindo desenvolvimento motor, e tendo um comportamento social, desenvolvemos também formas próprias de movimentos, e pensamentos, único de cada ser humano. Esses são os nossos padrões de movimento. Na dança não é diferente, quando conhecemos uma determinada forma de mover, vamos incorporando suas características, seus conceitos e sua história, sendo assim, ao longo do tempo adquirimos padrões ligados a esse determinado tipo de estrutura. A repadronização, como Cohen nomeia, não é tão simples assim. Para que ela ocorra, não somente a movimentação deve se modificar, junto com ela vem o pensamento, como diz Gabriela Perez: "Ao mover-se o sujeito move sua história, impulsiva, relacional, subjetiva".
Para alcançar esse novo jeito de mover, estou usando como metodologia a repetição de uma determinada sequência em várias situações. Me utilizo de restrições como, determinar fluxo, tempo, alternar o espaço onde ela ocorre, para que a partir daí, possa analisar os acontecimentos no meu corpo. Também utilizo a improvisação, em diferentes músicas e lugares, também colocando restrições, percebendo o que ocorre com o meu padrão, qual movimentação mais acontece no meu corpo e assim, estudar outras maneiras de me mover. É muito importante as duas metodologias porque uma complementa a outra e me ajuda a perceber quais caminhos devo tomar.

Referencias Bibliográficas:

OS PADRÕES DE MOVIMENTO NO TREINAMENTO DO ATOR: ANÁLISE CRÍTICA DESCRITIVA DA PADRONIZAÇÃO DO MOVIMENTO E SUA INFLUÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO CINESTÉSICO EXPRESSIVO DO ATOR. Gabriela Perez Cubas

A REPADRONIZAÇÃO: VOLTANDO ÀS RAÍZES PARA PODER ATUAR. Gabriela Perez Cubas

Alana Muniz de Lima

Dançar é declamar e coreografar escrever?

Quando comecei o trabalho de composição coreográfica sabia que queria fazer algo na interface de dança e literatura, mas o tema foi só se delimitando e tomando um rumo à partir de tentativas.

A obra escolhida é o conto A peque Sereia de Hans C. Andersen uma vez que o conteúdo desta é muito autobiográfico, e reconheço este aspecto com minhas experiências, angustias e expectativas pessoais. A partir daí algumas características da obra foram escolhidas para ser desenvolvidas. Não é meu objetivo traduzir esta obra cheia de metáforas para a linguagem da dança e nem elencar ou justificar neste texto as características da obra escolhidas para o trabalho.

A partir destas escolhas feitas era preciso escolher procedimentos, e alguns destes foram tomando forma no próprio repetir da ação, e outros por algumas leituras e reflexões.

Primeiro pensei em destrinchar o conto, seja estruturalmente seja procurando as relações da protagonista e do autor. A estrutura do conto é linear, ou seja, tem início, meio e fim, mas o que mais característico dele é que possui 3 momentos. A tentativa agora é que a criação também mantenha esta forma, não narrando corporalmente o enredo da estória da sereia, mas expondo as características mais marcantes da obra.

Para estruturar este trabalho a fundamentação passou por dois grandes eixos de pensamento. Busquei definições e alegorias do processo de composição coreográfica como o processo de tradução, utilizando autores como sob o viés de tradutores como Haroldo de Campos e sob o viés da semiótica de Pierce e de Umberto Eco. A presente pesquisa não se enquadra na palavra tradução como algo que mantém a semelhança de estrutura, mudando apenas a modalidade e gerando um produto, segundo Umberto Eco, “Quase a mesma coisa”. A categoria de tradução intersemiótica de Pierce que mais se aproxima da minha pesquisa é a transcodificação, mas a intenção é que tenha traços de tradução indicial uma vez que quero de alguma forma, manter a presença do original no processo de composição coreográfica.

A inovação no processo foi notar como o processo criativo de se criar uma poesia se assemelha em demasia com o de criar uma coreografia. Ambos precisam escolher elementos de potência. Se vivemos na era de “uma imagem vale mais que mil palavras” acho que as definições da poesia Imagista de uma metapoesia de AlrchibaldMcLeish pode se aplicar o modo de ver minha composição.

“A poem should be equal to, not true” ( um poema deve ser equivalente à, não a verdade)

“a poem should not mean but be” ( o poema não tem que significar, mas ser)


Inês Saber, graduanda do Curso de dança da FAP

MAIANITA: Compartilhamento de reflexões de leitura

Aos leitores ocasionais informo que o presente texto diz respeito ao cumprimento do trabalho proposto pelo professor Giancarlo Martins da disciplina de Composição Coreográfica II do curso de Dança da Faculdade de Artes do Paraná no corrente bimestre.

A proposta era de elaborarmos um comentário acerca de uma leitura, palestra, filme, obra artística que tivéssemos tido contato nesse período, e que de alguma forma houvesse suscitado reflexões que poderiam contribuir para o andamento da pesquisa que estamos desenvolvendo.

Minha pesquisa tem claro o ponto de partida: discutir arte/dança na perspectiva marxista, assim como compreender a arte pós-moderna que estamos contemplando e, dessa forma, pensar/criar uma dança que, em oposição à arte fragmentada e esvaziada feita atualmente, tenha como premissa a valorização do homem enquanto ser integral.

Para tanto, trago como mote para esse compartilhamento de reflexões o livro “Crianças de Fibra” de Iolanda Huzak e Jô Azevedo. Respectivamente, fotógrafa e jornalista, durante nove meses percorreram o país produzindo reportagens sobre a exploração da mão-de-obra infantil. Como minha pesquisa cênica intitulada MAIANITA tem como esteio a discussão acerca do feminino na infância, e não pretende abordar apenas a doçura e ludicidade da mesma, em um dos trechos do trabalho a questão do trabalho infantil se torna o foco. Por esse motivo, “Crianças de Fibra” se apresentou como congruente incontestável à proposição.

A exploração da força de trabalho do homem pelo homem já se configura como atroz e desumana, quando a estendemos às crianças tal atrocidade toma proporções que beiram à insanidade.

Na apresentação da obra, Oded Grajew reforça a insensatez posta na condição de trabalhadores das crianças do nosso país: “O Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe o trabalho de crianças com menos de 14 anos. Mas 2 milhões de crianças brasileiras entre 10 e 13 anos trabalham. (...) O que significa isso? Essas crianças são filhos de 20 milhões de trabalhadores do país, desempregados ou mesmo empregados que recebem menos que um salário-mínimo por mês, ou até nem recebem pelo que fazem. Qual o futuro desses jovens? Seu destino já está traçado pela sua condição. Vão continuar as relações de trabalho arcaicas dos pais, se tornar subcidadãos desconhecedores de seus direitos mais elementares, se formando nas dificuldades de ganhar o pão (HUZAK, 1994, p. 7).”

O trato que desprendemos às nossas crianças refletirá na sociedade que teremos no porvir. Evidentemente, que, não oferecer condições básicas para que o indivíduo se desenvolva dignamente, fadam os projetos futuros de sociedade progressista ao fracasso. Ë na infância que desenvolvemos com maior potencialidade aspectos psicomotores, cognitivos, afetivos e sociais. Negligenciadas tais premissas, o que construiremos será uma sociedade subserviente e alienada.

Um dos principais problemas ocasionados pelo trabalho infantil é a negação do pleno acesso à educação de qualidade. Não necessariamente me refiro à educação formal, mas àquela no sentido lato, àquela que acontece ao longo de toda a vida, e que garante o desenvolvimento integral das esferas que compõem o homem.

Para justificar tal posicionamento em relação à educação, Mészáros parafraseia José Martí com maestria quando escreve “(...) ser cultos es el único modo de ser libres”. E resumia de modo sublime a razão de ser da própria educação: “Educar es depositar en cada hombre toda la obra humana que le ha antecedido; es hacera cada hombre resumen del mundo viviente hasta el día en que vive” (2004, p.11).

Dessa forma, privar uma criança/indivíduo de ter acesso irrestrito ao que foi prozudido historicamente pela humanidade, significa negar a mesma sua própria gênese, sua identidade enquanto gênero/espécie, sua existência enquanto ser social. E não se compreender como construtor da história encerra sua trajetória na resignação e no servilismo. Nada mal para uma sociedade regida por uma classe domintante que prevê a manutenção dos seus privilégios a partir da exploração dos violentados, não é mesmo?

É na contramão dessa lógica que artisticamente venho propor um trabalho que denuncie, ou ao menos que traga para as pautas de discussão cênica a questão da infância no capitalismo.

Além do livro, outra obra que veio corroborar com tais reflexões foi o filme “Crianças Invisíveis”. Nele, sete diretores apresentam uma densa e poética viagem pelo mundo de crianças sufocadas pelas atrocidades do capital. O trecho rodado no Brasil traz exatamente a questão do trabalho infantil como cerne.

“Crianças Invisíveis”: http://www.youtube.com/watch?v=trGs9Jmeom0

““A vida no carvão é sacrificada demais.” Nos fornos da fazendo Bonito, em Água Clara, um pequenino herói: Sérgio, 7 anos, recolhe carvão. Parece um homenzinho, com a calça aberta no cós, sandálias de pneu nas pés cheios de feridas e os cabelos secos e eriçados. A mãe, Ana Rosa, esqueceu quantos anos tem. Magra e debilitada, olhos roxos, lava panelas na frente da tenda de lona plástica. Em um outro barraco, a sobrinha Jaqueline, 25 anos, com a filhinha de 16 meses nos braço, narra. Ana Rosa e o marido trabalharam 10 meses sem receber um tostão. A mulher enchia e tirava quatro fornos diários. O empreiteiro apanhava a lista quinzenal das compras, trazia os alimentos e ficava por isso mesmo. Há duas semanas, o marido chegou bêbado, depois de um encontro com o empreiteiro, espancou e esfaqueou a mulher. (...) Sérgio escuta tudo calado, no seu cantinho. Diz que já foi à escola uma vez, na cidade onde moravam os pais, mas saiu “sem saber escrever o nome”. Não sabe se quer voltar para a escola: “A gente só quer ir embora, mas não sabe como”, ele diz, e volta para os fornos (HUZAK, 1994, p. 31).”

Tais relatos me corroem... E é em virtude dessa indignação que coloco minha arte como uma aliada para, minimamente, fazer palpáveis essas histórias de crianças com tanta fibra, porém tão invisíveis aos olhos fúteis e arrefecidos da nossa sociedade.

Finalizo com um trecho de “Cartas da Mãe” de Henfil, quando o mesmo escreve para a sua fazendo referência ao saque histórico do chamado “Descobrimento do Brasil” que se estende até a atualidade. Tal fragmento, a mim soa como pertinente no que se refere ao nosso trato com as crianças ao longo desses séculos: “A SENHORA É CÚMPLICE! Perdoe a frase de efeito. Mas quem agora sabe e não impedir esse genocídio passa a ser cúmplice. Do presidente à minha mãe.” E você, também vai permanecer engrossando esse coro?

SYLVIANE GUILHERME

Percepção Auditiva: o som em movimento

O ambiente está repleto de som, este é produzido constantemente e em qualquer lugar, desde sons musicais a todo e qualquer efeito sonoro, como sons da natureza, sons dos animais, dos objetos, entre outros. Pode-se dizer que não existe silêncio absoluto.

O sentido da audição possui a capacidade de analisar e entender auditivamente as propriedades das ondas sonoras. Para este evento, Segundo Aaron Coplando em seu livro “Como ouvir e entender música”, podemos chamar de Plano Geral, quando não nos damos conta do que ouvimos ou de que forma ouvimos. Há também, o plano significativo, quando o indivíduo torna-se mais atento, buscando um significado para os sons ouvidos ou produzidos. Levando em consideração os eventos que classifica Aaron, minha pesquisa será feita no plano significativo, quando os sons são captados e selecionados de forma consciente, atribuindo significados às ondas sonoras. Em minha prática, a partir da seleção do som, a reação acontecerá através de movimentos corporais.

Minha pesquisa então, propõe a percepção de maneira consciente, levando a atenção para os sons contidos no ambiente e através dele gerando movimentos em resposta aos estímulos. Para perceber de maneira mais consciente os sons contidos no ambiente, fez-se importante levar a atenção e estimular o órgão sensorial auditivo. Para tanto, primeiramente, serão abordadas as propriedades do som (conceitos de amplitude, ondas sonoras) e uma breve passagem pela fisiologia do ouvido humano. Através da acústica e da psicoacústica[1] pode-se aprender a respeito das propriedades físicas do som e do modo pelo qual este é interpretado pelo cérebro humano.

Nas experiências vivênciadas até agora, para iniciar qualquer movimento em resposta ao estímulo, o procedimento utilizado nesta pesquisa foi, primeiramente, o uso da pausa e da permanência do corpo em várias posições diferentes (deitado, sentado, de cabeça para baixo, de costas, etc.), em relação ao som selecionado. Também, a opção de mudar de posição alternando os intervalos de tempo. Utilizando esta metodologia durante as experimentações, o corpo interpretou, selecionou e organizou os sons do ambiente, possibilitando a percepção das informações sonoras de maneira mais clara.

Para obter tais resultados, optou-se em focar essencialmente na audição e perceber de que forma os outros sentidos contribuíam para a percepção do som. O corpo ficou suscetível a outros estímulos mais sensíveis, como por exemplo, o tato. “A audição e o tato se encontram no ponto em que as mais baixas freqüências de sons audíveis passam a vibrações tácteis (cerca de 20 hertz). A audição é um modo de tocar a distância, e a intimidade do primeiro sentido funde-se à sociabilidade cada vez que as pessoas se reúnem para ouvir algo especial” (SCHAFER, 2001, p. 29).

A partir do tato, notou-se micro vibrações do som ao tocar a pele. As micro vibrações me fizeram imaginar imagens de ondas sonoras se propagando no ar em movimentos espiralados. Logo, o corpo respondeu a estes estímulos através de movimentos em espirais, que é para onde minha experiência corporal está se encaminhando.

Neste momento, estou investindo na investigação dos movimentos em espirais, como isso reage com os estímulos sonoros, como transmitir as sensações que tenho dos sons ambientes para corpo. Como lidar com conceitos de amplitude, duração e propagação do som no corpo.


[1] Psicoacústica é o estudo de como os seres humanos percebem o fenômeno sonoro. Aqui o interesse é a resposta subjetiva ao som em termos de sua altura, volume, duração, timbre e posição aparente. As categorias do estudo da psicoacústica não são estanques, pois existe considerável interdependência entre elas. Por exemplo, a nossa sensação de altura é dependente do tempo, e nossa percepção de volume varia consideravelmente com a freqüência e o timbre.


COPLAND, Aaron. Como ouvir e entender música, São Paulo: Editora Artenova, 1974.

SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. 1 edição – São Paulo, SP: Fundação editora da UNESP (FEU), 2001.


Franciele Pasturczak