segunda-feira, 27 de junho de 2011

O MUNDO EM MIM


CONTEXTUALIZANDO: Esse é um relato sobre o processo de criação do trabalho artístico de finalização da matéria composição coreográfica 2, do curso de Bacharelado em Dança da Faculdade de Artes do Paraná, ministrada pelo Professor Giancarlo Martins.

Meu trabalho foi iniciado a partir da idéia de sombra da psicologia Jungiana, a forma que encontrei para dar “forma” a essa idéia era trabalhar a sombra do corpo literalmente, minha dança aconteceria na sombra única imagem a ser vista pelos espectadores. Continuo desenvolvendo essa idéia, mas agora muitos outros elementos começaram a permear esse trabalho, segue então o relato:


RELATO DAS ATIVIDADES NO 2º BIMESTRE

Neste segundo semestre muita coisa aconteceu na minha vida, muitas percepções se apoderaram de mim de forma que seria impossível meu trabalho não ser afetada por elas.

Quando escolhi trabalhar com a sombra, queria falar sobre essa coisa escondida dentro de nós, que não foi domesticada, que olha para o mundo e vê muita coisa errada com ele, mais do que falar de defeitos humanos (que é o ‘censo comum’ de sombra) eu queria falar do que nos faz humanos, o que nos faz olhar para algumas cenas e encher os olhos d’água, o que nos faz corar de vergonha, o que nos faz cegar de raiva, etc. Então, estudando Jung essa minha idéia foi confirmada:


“Muitas pessoas, em nossa sociedade civilizada, perderam sua sombra, livraram-se dela, tornando-se apenas bidimensionais: perderam a terceira dimensão e com ela o próprio corpo. O corpo é amigo, mas duvidoso, por produzir coisas de que não gostamos; há inúmeros fatos a ele relativos que não podem mesmo ser mencionados. Por isso, ele freqüentemente se presta á personalidade do lado sombrio do ego. Às vezes, representa “o esqueleto escondido no armário”, e todo mundo naturalmente quer ver-se livre disso.” (JUNG)


Li isso ao mesmo tempo em que estava lendo sobre cultura e história das civilizações, comecei a estudar isso porque ano passado fui muito instigada por uma amiga a pensar sobre: Como eu fazia arte contemporânea/pós-moderna sem estudar o que é pós-modernidade? Sem saber o que estou veiculando através dessa linha de pensamento e sem saber ainda, se eu gostaria de me vincular e propagar através da minha arte o discurso pós-moderno! Então comecei a buscar informações, ela me indicou algumas leituras e ao mesmo tempo eu fui buscando outras, até a chegar a questões de raiz histórico culturais. Sendo assim, comecei a me dar conta de que a ‘perda da sombra’ é fundamentalmente fruto da nossa organização social, e que isso implica na nossa perda de identidade e desumanização.

Mas investigando outros autores, observando e vivendo, percebi que a sensibilidade a essas idéias não me acometeu assim do nada, sou filha de um operário do ABC paulista, nordestino, que veio para São Paulo tentar um jeito melhor de sobreviver, que trabalhou cortando cana desde os 7 de idade e aos 15 já era o chefe da família. Neta de uma mulher negra que saiu da roça, mais precisamente de Iguape região quilombola de São Paulo, para tentar a vida em São Paulo. Aprendi a ler antes de ir para a escola nos livros e jornaizinhos do Sindicato dos Químicos do ABC (Sindiquim) do meu pai e do meu avô, não tinhamos televisão por questões religiosas, mas tínhamos muitos livros em casa para ‘não ficarmos ignorantes’, como protestavam os parentes do meu pai pelo fato de não termos o bendito aparelho. Enfim, em resumo minha visão de mundo foi moldada por essa trajetória de família, de vida, de origem, e no meu processo criativo está cada vez mais claro que o crio, com o que me identifico, com o que me importo, o que quero mostrar do meu trabalho é reflexo dessa história de vida minha e dos meus familiares.

Sendo assim, por experiência de vida, histórico genético impresso em mim, sinto e sei o quanto essa lógica que vivemos é perversa e o quanto nesse momento ela chega num ápice de desumanização absurdo, agora tomo contato com as teorias que defendem essas idéias que me rondam desde criança e que me esclarecem o motivo pelo qual meu pai, minha mãe e meus avós (maternos e paternos) tiveram uma vida tão árdua, e que o que eles viveram está também inscrito em mim, e que apesar de nossa situação econômica ter melhorado absurdamente, o mundo continua ainda pior e outras pessoas passam a fome que meu pai e meus avós passaram.

Contei toda essa história porque nesse bimestre foi o que ficou de mais importante para mim, o trabalho que criei até agora expressa essa história da minha árvore genealógica, mas não é só o meu umbigo, é o que existe no meu umbigo e que tanto dói no umbigo do mundo, é o que há de global na minha experiência como ser humano, pois quem não passou ou ouviu nada disso, pode ver nas ruas da cidade e em todos os cantos da nossa sociedade.

Enfim, a reflexão vai além e não posso me demorar em escrevê-la aqui porque preciso fazer os demais trabalhos que a lógica de produção demanda, mas faço minhas as palavras de Saramago, é por esse caminho que vai o meu raciocínio...




REFERÊNCIAS:

JUNG, C. G. Primeira Conferência - Fundamentos da psicologia analítica. Petrópolis, Vozes, 2001, Vol. XVIII/1



Nenhum comentário:

Postar um comentário