sábado, 25 de junho de 2011


"O todo, as partes e a integração"


Entender e buscar uma dança que seja significativa, é um processo que demanda muito conhecimento de si e do ambiente o qual se está inserido. “Tudo se resolve no momento que acontece, é um presente que carrega história e aponta para o futuro, mas que se organiza a cada instante, criando novos nexos de sentido”. (GREINER, C. p. 80). A partir desta afirmação, podemos relacionar a busca desta dança que faz sentido para quem a realiza, com a Harmonia Espacial, criada por Laban a partir de seus estudos da “Arquitetura do Corpo”, numa relação harmônica. Ciane Fernandes cita em “ O Corpo em Movimento: o sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas:

“Na minha visão, três condições básicas são fundamentais para a Harmonia espacial. Primeiro, a profunda convicção de Laban na existência de uma ordem cósmica natural, que se reflete também no movimento. Segundo, a sua opinião de que espaço e movimento determinam-se mutuamente, estabelecendo que o vazio não existe. E terceiro, a sua crença na presença do movimento em todos os aspectos da vida, colocando que a estabilidade ou imobilidade completa não existe. Portanto o equilíbrio é o resultado de duas qualidades contrastantes de ação.” ( p. 178)


Ciane Fernandes afirma que a idéia de harmonia está presente desde o início na Teoria de Laban, indicando idéias de equilíbrio, proporção, em ser orgânico e natural, uma vez que o movimento faz sentido apenas se progredir organicamente.

Deste modo podemos dialogar com Peggy Hackney, analista certificada do movimento Laban/Bartenieff e que busca e explica como se dá a integração em várias esferas, para que aquilo que se dança seja significativo. Hackney utilza-se do termo “Polaridades” para fazer-se entender que o que está entre uma coisa e outra é o que faz com que a significação ocorra. A partir disso podemos conversar com a filosofia oriental que enfatiza que nenhuma das partes é mais importante do que a outra e que é o equilíbrio entre as partes que fazem o todo mais completo.

Visto que na filosofia oriental a busca do equilíbrio é constante, e enquanto existir um movimento constante na esfera do infinito haverá equilíbrio e harmonia -, ou seja, aquilo que está fora também está dentro e o que está dentro também está fora. O exemplo escolhido aqui para ilustrar este equilíbrio entre as partes é o Anel de Moebius. O Anel de Moebius ou Figura Oito (descrita por Rudolf Laban em termos de movimento, 1974, 98), as duas extremidades do tempo (passado e futuro) se encontram num ponto de inversão, criando uma torção sem interno-externo. Ao invés de ser uma progressão linear, o tempo do corpo é uma inter-relação retroativa tridimensional, do futuro para o passado invertido, re-criando o novo (FERNANDES 2000, 123-128). Este é o tempo paradoxal do corpo: quanto mais vamos rumo ao futuro, mais re-encontramos e transformamos o passado.

Dialogando com Peggy Hackney em “ Making Connections. Total body integration through Bartenieff fundamentals (1998), pode –se compreender que “integração” significa manter a integridade dos inteiros, os elementos que são essenciais de cada parte, enquanto também é possível ter a capacidade de coordernar os elementos separados, de modo que as unidades que formam trabalhem cooperativamente, afim de gerar um todo que se relacione.

O pensamento de Hackney se assemelha muito ao pensamento da filosofia oriental uma vez que para este povo nenhuma “parte” se sobrepõe a outra e as duas são de extrema importância para o entendimento do “todo”. Hackney cita as Polaridades e afirma que elas estão sempre conosco e que os opostos polares nos servem de forma útil para que possamos diferenciar. Ou seja, para conhecermos as partes, precisamos conhecer o todo, para conhecermos a imobilidade temos que conhecer a mobilidade, para conhecermos o simples, necessitamos compreender o complexo, e assim vice – versa em todos os exemplos citados anteriormente, de modo que só assim podemos valorizar as qualidades que emergem das parcialidades.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, Ciane. O corpo em movimento: o sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas. 2ª Edição – São Paulo: Annablume, 2006.

____________. Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: Repetição e Transformação. São Paulo: Hucitec, 2000

GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.

LABAN, Rudolf. The Language of Movement: A Guidebook to Choreutics. Boston: Plays, 1974.


Nalu da Rocha

Um comentário:

  1. Integração e coletividade é uma discussão efervescente nas últimas décadas não só no contexto artístico, mas no educacional, sociológico e em tudo que por natureza se relacione com o humano e suas relações na atualidade. Vivemos no pós-modernismo e as influências dessa construção empírica, social e histórica se reflete em nossas vidas, na maneira de pensarmos e concebermos arte.
    A discussão deste tema tem sido experienciada intensamente pelos discentes do quarto ano no curso de graduação em dança na FAP. A grande valoração das especificidades, cada um responsável pela construção e/ou funcionamento de uma parte para que um todo funcione nos aliena, e a falta de integração(ou consciência) das partes faz como que haja um esvaziamento de sentido. A globalização, fenômeno gerado pela necessidade da dinâmica do capitalismo de formar uma aldeia global através de processos de integração econômica, política, social, cultural e tem grande impacto sobre a identidade cultural. No mundo pós-moderno, como explica Stuart Hall, os princípios e crenças, não estão mais na coerência de sujeitos, mas sim na descentração deles, e o que antes permitia sólidas localizações em indivíduos sociais, hoje está em colapso, fragmentando paisagens culturais (de gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade).
    Apesar dessa descentração que torna mais difícil o senso de coletividade e a integração, o home é essência social e precisa do coletivo , e não só alimentá-lo. Isto reflete na produção cultural e no pensamento artístico atual. É por isso que existe uma busca do passado que você Nalu, ilustra com a fala de Ciane Fernandes. Talvez o que a filosofia oriental esteja a frente de nós ocidentais, pois carregam desde o passado essa integração, enquanto nós sentimos na carne, na nossa dança, na produção artística e cultural essa necessidade e estamos tentando correr atrás desse prejuízo.

    Inês Saber, graduanda em dança na FAP

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