domingo, 26 de junho de 2011


“Produção artística é um ensaiar”

Grande parte da produção artística hoje é um tipo de pesquisa. Em dança, pode-se dizer que coreografar virou quase um sinônimo de pesquisa coreográfica, e artistas da dança tem preferido um meio de pesquisa e não uma colagem de passos puramente estética e sem reflexão.

O curso de graduação em dança da Faculdade de Artes do Paraná (FAP) faz com que os alunos ao longo de quatro anos reflitam sobre arte, aprendam conteúdos no corpo por fim façam como trabalho final uma composição coreográfica que demande pesquisa teórico-prática. Apresentação do resultado será “o processo vivo pelo qual a obra se torna tal como aparece, e para revelar, portanto, as razões dinâmicas do seu aparecimento.”(ECO, 1972, p 21)

O tema escolhido começa a ficar menos nebuloso assim que foi possível entender o que era importante para este trabalho artístico. Tentar definir arte seria restringi-la, uma vez que é justamente a sua pluralidade que se faz permanecer no, e formar o, mundo.

A arte transcende e recria a realidade, por isso, definir e conceituar especificidades não carece. Assumindo o ponto de vista de Jacques Derrida de que não existe nada fora do texto, já que o texto é a eterna negociação entre interlocutores, a dança, a literatura e a pintura por ser também uma modalidade de comunicação do homem, são consideradas um tipo textual. Estas não possuem uma definição fechada, uma vez que há uma infinidade de variantes. Cada obra tem sua especificidade, se dão neste espaço comunicativo em diferentes instâncias do performático, seja ele oral, escrito ou corpóreo.

O que é pretendido neste trabalho é fazer algo que abarque duas das diversas manifestações chamadas Literatura e Dança ao mesmo tempo.

Umberto Eco diz que “As obras literárias convidam à liberdade de interpretação porque propõem um discurso com muitos planos de leitura, defrontando-nos com a ambigüidade da linguagem e da vida.”

A obra literária escolhida foi o conto de Hans Andersen “A pequena Sereia”. Dizem que das estórias que ele criou, foi a sua favorita porque instaurou sua visão pessoal e emocional de mundo em uma estória. Foi a que realmente tocou Andersen durante seu processo de criação, provavelmente porque de muitas formas se relaciona com esta.

Ele viu uma parte de si na figura da pequena sereia, uma vez que morava numa aldeia pequena e tinha um sonho de pertencer a outro mundo, o mundo do teatro e por isso seguiu em frente, aos quatorze anos, para procurar uma fama com a carreira com o teatro. O conto pode ser considerado uma grande metáfora do que o escritor carregou em sua vida: dificuldades, solidão, dor. No conto, a sereia para conseguir uma alma imortal teria que fazer um homem se apaixonar por ela. Para fazer isso ela se sujeita a um sacrifício (perder a voz). Andersen mostra a dor que ela sentia por ter pernas, abandonar sua vida em um mundo e se sentir de certa forma, também, sem pertencer a ao mundo dos humanos. Ao mesmo tempo em que conseguiu estudar e ser aceito em Copenhagen, era como se ele não se encaixasse naquela sociedade, Ele fora pobre e trabalhava muito, não permitindo que se sentisse um membro da elite social. Por mais que tivesse prestígio como escritor (que lhe garantiu imortalidade), nunca tivera sorte no amor e era muito solitário. Talvez isto foi metaforizado na morte da sereia tornando-a espuma do mar, mas, por causa do amor que sentiu, sobreviveu para sempre como alma imortal.

Não é traduzir esta obra literária para a linguagem da dança. É esta obra cheia de metáforas e ao mesmo tempo tão autobiográfica e esta ambigüidade me faz com defronte a minha vida e a linguagem que quero utilizar.

Escolher um tema para estudar e coreografar deve ser algo de dentro, algo que perturba e de alguma forma e precisa sair. O trabalho de um artista não é uma inspiração, é o trabalho sobre algo até ele tomar uma forma. Para Eco (1972) a produção artística é um “ensaiar, um proceder através de poropostas e esboços e interrogações pacientes da matéria...” e “dispõe, portando, de um critério, indefinível, mas muito sólido: o pressentimento do resultado... o advinhar da forma”(p.18).


Inês Saber, graduanda do Curso de dança da FAP

REFERÊNCIAS:

ANDERSEN, Hans. ”Fairy Tales”. London, Pinguin, 1994

ECO, Umberto . “A Definição da Arte”, Lisboa, Edições 70, 1995.

ECO, Umberto . “A literatura contra o efêmero”. Folha de são Paulo caderno “mais” de 18/2/2001

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