sábado, 25 de junho de 2011

Um breve pensamento sobre fotografia e movimento


A partir do momento que o ato de fotografar se tornou real, adquirir um registro visual à curto prazo passou a fazer parte do cotidiano, e muitas mudanças, não apenas tecnológicas, ocorreram: o comportamento das pessoas, a rapidez com que novas câmeras surgiam, a economia muda com a chegada dessa nova maneira de se produzir e reproduzir imagens. A fotografia traz um surpreendente colorido para as próximas gerações, no século XIX o mundo era acinzentado: jornais, muros, dinheiro. Hoje as cores gritam em diferentes tonalidades, nos tornando muitas vezes “surdos oticamente”. As cores ganham outros significados e o preto e branco se tornam magia de um pensamento conceitual. “O universo fotográfico nos habitua ao progresso.” (FLUSSER, pág34).
Mas muito mais que uma simples forma de registro, a fotografia se torna arte. Arte de transmitir o indizível e o invisível a olhos nus, de transmitir informações e de multiplicar idéias. O fotografo tem que esgotar todas as possibilidades, descobrir as potencialidades de cada cena, muitas vezes ignorada, é como se fosse um jogo. A cena pode ser considerada o tabuleiro e, as peças o fotografo e o objeto a ser registrado. Cada um tem seu dever e sua importância e se não houver algum deles as jogadas não podem acontecer. Cria-se uma relação entre essas três partes: o fotografo, o objeto e o aparelho.

“Ao fotografar, o fotografo salta de região para região por cima de barreiras. Muda de um tipo de espaço e um tempo para outros tipos. As categorias de tempo e espaço são sincronizadas de forma a poderem ser permutadas. O gesto fotográfico é um jogo de permutação com as categorias do aparelho. A fotografia revela os lances desse jogo, lances que são, precisamente, o método fotográfico para driblar as condições da cultura.” (FLUSSER, pág. 18)

O ato de fotografar articula conceitos, o aparelho faz com que o fotografo transcodifique suas intenções muito antes de transcodificar em imagens. “Em fotografia, não pode haver ingenuidade.” (FLUSSER, pág. 18). As pessoas não fotografam ingenuamente, elas agem a partir de suas intenções, sejam elas estéticas políticas ou puramente sentimentais, elas passam por essa etapa antes de produzirem imagens.
São praticamente inesgotáveis as possibilidades transcodificadas em imagens, tudo que é fotografavel pode ser registrado. As possibilidades do aparelho são quase infinitas, é a relação da imaginação do fotografo e da imensa imaginação do aparelho. Cabe ao manipulador do aparelho explorar regiões novas a serem fotografadas, explorar o inexplorável, é perceber cenas, conceitos, idéias jamais percebida pelos olhos das pessoas que não participam do ato de fotografar. O fotografo busca incessantemente estabelecer relações com situações até então jamais existentes. Fotografar passa a ser o ato de tornar realidade todos esses conceitos, ele sai do idealismo e passa para o mundo real a partir do momento que surgem as imagens.
O gesto de captar uma imagem parte do momento de decisão: apertar o disparador e aprisionar, para sempre, aquele espaço-tempo selecionado pelos olhos do fotografo. O resultado dessa decisão são imagens, estas que permanecem com duas das quatro dimensões espácio-temporais.

“Devem a sua origem à capacidade de abstração específica que podemos chamar de imaginação. No entanto, a imaginação tem dois aspectos: se de um lado, permite abstrair duas dimensões dos fenômenos, de outro permite reconstruir as duas dimensões abstraídas na imagem. Em outros termos: a imaginação é a capacidade de codificar fenômenos de quatro dimensões em símbolos planos e decodificar as mensagens assim codificadas. Imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens.” (FLUSSER, pág. 7)

(Fragmento do artigo: DANÇA INTERFACE A FOTOGRAFIA: A MATERIALIDADE DA COMUNICAÇÃO, por Julia Grassato)

Referência:
FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta, São Paulo, Editora Hucitec 1985





3 comentários:

  1. foi um grande prazer poder me aproximar um pouco mais de uma proposta tão interessante, que une dança com fotografia,pude perceber que em um trabalho fotográfico existe muito mais corpo do que imaginamos, seja para quem fotografa, ou seja para quem é fotografado, perceber os movimentos que conseguimos fazer com a luz foi no minimo instigador,o movimento juntamente com a luz ajudam a criar este corpo na fotografia que para mim acaba se tornando dança.

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  2. pelo que acompanhei um pouquinho desse experimento na sala, achei a idéia fantástica, ousada e inovadora. Uma nova forma de aborda a dança em outros níveis e conceitos, cria relações e cria um espaço de potencia em nosso meio, fazendo com que a dança seja cada vez mais valorizada em diferentes linguagens.
    Bruna Zehnpfennig

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  3. A fotografia é maravilhosa. Nela perpetuamos idéias e as relações culturais de um período ou local.
    As escolhas do fotógrafo e seu direcionamento durante a ação de fotografar, modifica o olhar do observador/apreciador e conduz, a partir de suas reflexões, o objeto a ser observado.
    A interlocução entre dança e fotografia, abre possibilidades para muitas considerações referentes ao corpo aprisionado, que outrora estivera em movimento, e só se reconhecia em movimento.

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